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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O olho de vidro

Camilo Castelo Branco
1825 - 1890

"Introdução
Francisco Luís de Abreu, estudante do segundo ano médico na Universidade de Coimbra, estava, por volta das onze horas da noite de 28 de Janeiro de 1692, estudando, no seu Vila Corta, as teorias de Galeno acerca das purgas  ― de purgatione. ― Embevecido e pasmado nas virtudes drásticas dos olhos de caranguejo, apenas tinha um tudo-nada de espanto para celebrar os não menos miraculosos efeitos da pele de cobra, quando, tão a desoras, duas aldrabadas na porta o roubaram ao seu enlevo. Francisco encapuzou-se no gabão e abriu as portadas da janela que dava sobre o Beco das Flores, beco assim denominado por antífrase, figura de retórica tolerantíssima que permite denominar-se flores  o adubo de que elas tiram a seiva pútrida, mais tarde evaporada em aromas. 
― Quem é? ― perguntou o estudante, apertando as asas nasais, com ingrato desprezo das boninas da sua rua.  ―Quem é o vadio? 
― Sou eu!  ― respondeu quem quer que era, abrindo pequeno respiráculo por sobre o ferragoulo, que lhe envolvia todo o rosto.
― Tu!... ― exclamou Abreu em alvoroço. ― Vou abrir! Pois és tu?!"

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