Camilo Castelo Branco
1825 - 1890
1825 - 1890
"Introdução
Francisco Luís de Abreu, estudante do segundo ano médico na
Universidade de Coimbra, estava, por volta das onze horas da noite de 28 de
Janeiro de 1692, estudando, no seu Vila Corta, as teorias de Galeno acerca das purgas ― de purgatione. ― Embevecido e pasmado nas virtudes
drásticas dos olhos de caranguejo, apenas tinha um tudo-nada de espanto para celebrar
os não menos miraculosos efeitos da pele de cobra, quando, tão a desoras, duas
aldrabadas na porta o roubaram ao seu enlevo. Francisco encapuzou-se no gabão e
abriu as portadas da janela que dava sobre o Beco das Flores, beco assim
denominado por antífrase, figura de retórica tolerantíssima que permite
denominar-se flores o adubo de que elas
tiram a seiva pútrida, mais tarde evaporada em aromas.
― Quem é? ― perguntou o estudante, apertando as asas nasais,
com ingrato desprezo das boninas da sua rua.
―Quem é o vadio?
― Sou eu! ― respondeu
quem quer que era, abrindo pequeno respiráculo por sobre o ferragoulo, que lhe
envolvia todo o rosto.
― Tu!... ― exclamou Abreu em alvoroço. ― Vou abrir! Pois és
tu?!"
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